quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Hoje Amélia não vai ficar triste por as férias terem terminado e estar atafulhada de ansiedade com as inumeras tarefas em atraso, as responsabilidades que lhe saltaram da mala de viagem e que se acumulam agora em frente dos seus olhos, inundando uma vida de regresso à rotina desenfreada de sempre.
Hoje o João não vai irritar-se com o colega com quem partilha o gabinete, com as suas frases habituais sem nexo e à toa como quem engoliu dez kilos de feijões e depois tem de desinchar toda aquela energia, doa a quem doer. Nem se vai deixar stressar na reunião que vai ter com o chefe sobre as novas directrizes para o próximo trimestre.
E a Sofia não vai chorar por estar a morrer de saudades do namorado que vive do outro lado do mundo e com quem não consegue falar...há mais de 48 horas!
A Matilde enviou algumas mensagens no Facebook para alguns amigos que ainda não tiveram tempo de responder. Entretanto, foi vasculhar no meio da sua solidão disfarçada de mais de 1000 amigos na rede, os últimos posts do ex-namorado! E percebeu quem é a actual. Paciência. Decidiu não se abater nem aumentar o seu vazio num mundo de imagens felizes, umas fictícias, outras passadas. Um folhetim que ainda que precioso, não deixa de ser uma vida ilusória. Fechou o Facebook e decidiu afastar os pensamentos ruins.
O Vasco hoje soube que iria ser despedido em breve. A casa por pagar. As contas do banco em descrédito. O saldo negativo a aumentar. Mas decidiu não se desesperar. O que tanto ansiava tinha acabado de acontecer. O tormento terminara. Iria começar de novo.
A Solange perdeu o avião para Honk Kong. A reunião vai ter de ser adiada. Em vez de cerrar os punhos e de se contorcer de raiva, dirigiu-se calmamente ao guichet da TAP e de uma forma inesperadamente relaxada pediu um novo bilhete, pagando os encargos como quem acaba de receber um prémio de lotaria. E gozou com a cara de parva da hospedeira que a atendeu.
A Filomena não se vai aborrecer com o filho porque o voltou a apanhar a fumar. E o Pedro não vai exigir à Rita que tire a nota máxima no exame de matemática. O José não se vai lastimar mais por nenhum dos seus três filhos querer ter sido cardiologista como ele. E a Marta não vai recusar mais apoiar o filho, na sua decisão de ir para o conservatório de música.
Há dias em que o telefone não toca ou as mensagens que se esperam se evaporaram. Há noites de tédio e de amargura. Momentos de tensão, stress, angustia e desespero. A solidão ganha formas cavalgantes de um D. Quixote que nunca mais chega ao seu destino. Há soluços que se perdem na almofada, gritos sufocados dentro do peito. Dias que custam ser vividos... que mais mereciam ser apagados ou eliminados das vidas.
A tecla delete faz falta na vida real.
Mas a palavra Não, pode ser positiva. Uma frincha que se abre à esperança e ilumina um quarto escuro de um orfanato de crianças. Um não pode ser, um sim à vida. A recusa de continuar a não ser feliz. Um mergulho no mar num dia escaldante de 40 graus. Um elefante que entra porta adentro num corredor minúsculo, para entregar uma flor à velhota de 92 anos que lá vive sem ser visitada há séculos, pelos seus familiares dinossauros e rudimentares.
E o milagre então acontece: o pesado e gigante elefante não causa qualquer estrago à sua passagem e a velhota beija a flor que ele lhe deixa e lança-lhe um sorriso de bela apaixonada.